Desabafos de um filho
Desabafos de um filho
Texto escrito por um filho aquando do dia da mãe, 2013
Mês de Maio… Simbolicamente o mês da mãe. Mês de agradecimento e do maior reconhecimento pela Mãe, por todas as suas atitudes, comportamentos e gestos que acompanharam o crescimento dos seus filhos! Pois bem… E será que no seio de todas as famílias foi assim? Onde cada filho(a) vê a sua mãe como o seu ídolo, a figura parental a seguir, o seu modelo de vida? Pois, a minha perspectiva é diferente...
Hoje, chegada há alguns anos à vida adulta, a minha relação entre Mãe e filha não é tão linear e tão comum como o suposto.
Fazia-me confusão, por vezes, e deixava-me pensativa, quando os meus colegas de básico e secundário relatavam que as Mães deles conversavam com eles e faziam-lhes certas coisas… Quando, actualmente, eu continuo sem me recordar das conversas sérias e pausadas que tive com a minha mãe. Porquê? Porque nunca as tive!
As conversas que, ao início até começavam bem, acabavam com uma virada para cada lado, ou uma ou outra a chorar, ou as duas até porque não havia compreensão, eu sentia-me desiludida por ela nem sequer me ouvir ou tentar compreender, mal acabava de falar já estava a “apontar-me o dedo” e a dizer que não tinha razão para dizer aquilo, que não devia fazer as coisas daquela maneira, que “Sempre te dei tudo!”, “Nunca te faltou nada!”, “O teu pai e eu andamos a trabalhar sem puder para te dar aquilo que queres“, bens materiais e chantagem emocional portanto…
E o que mais importa? O que nos marca e acompanha para toda a vida desde crianças? Quando me deste um abraço? Quando me deste um beijo de boa noite que fosse? Quando foste ter comigo à cama enquanto eu chorava? Qual foi a vez em que me acompanhaste à escola? Ou que me ajudaste a fazer os trabalhos de casa? Quando foi Mãe? Não me lembro…
Eu sentia e, por vezes ainda sinto, que tens uma despreocupação e falta de interesse no que eu faço, no que eu quero e desejo para mim… Rara foi a vez em que me incentivaste a fazer fosse o que fosse!
Quantas vezes me agradecestes por ter tomado iniciativa de fazer a limpeza, de cortar a relva do jardim, de fazer o jantar, etc? Em vez do agradecimento, que eu esperava, mais uma vez, fizeste o que costumas fazer… “Porque é que fizeste isto assim? Isto não era assim que se fazia! Olha para isto… Achas que isto está bem feito?” Ao fim e ao cabo… Eu tomei a iniciativa mas, para ti, está tudo mal feito! Quantas foram as vezes que foste por detrás de mim e fizeste tudo de novo? Imensas... E eu pensava: “Se tivesse estado quieta, ganhava mais!” Magoaste-me Mãe… Não deste a mínima relevância ao que eu fiz para te agradar!
Nunca tiveste grande tempo nem paciência para mim… Pedia-te para me ensinares alguma coisa ou para me ouvires um bocadinho, dizias: “Agora não tenho tempo! Logo vemos isso!” Esse logo foi bastante prolongado… Tão prolongado que raramente aconteceu e tu te lembraste.
Eu detestava quando me comparavas com as minhas primas, DETESTAVA! Elas eram sempre e em tudo melhores que eu! Nunca me elogiaste em nada, muito pelo contrário, era sempre EU a culpada de tudo, eu nunca fazia nada, ou se fazia nunca estava bem feito e depois lá vinha: “A tua prima” isto e aquilo! Grrr…. Eu sou eu Mãe! Sou tua filha e tu tens de me enaltecer e sentir orgulho em mim e no que sou! Mas não… E eu revoltava-me!
Como tantas outras vezes e com tantas outras coisas… Situações de chegar ao ponto de me refugiar no meu quarto, chorar e pensar para comigo que não tinha pedido para nascer, se fosse para vir ao mundo e ser tratada assim, que não valia a pena eu ter nascido… Eu sofria! Muitas vezes em silêncio, mas sofria com as tuas palavras e com os teus comportamentos… E foram algumas vezes que me passou pela cabeça punir-me, acabar
comigo de uma vez… Dessa forma, resolvia-se tudo, acabavam-se as discussões e o mau ambiente que existia em casa... Eu estava farta de ser tratada como um farrapo e o patinho feio!
Numa dessas vezes, há uns bons largos anos, recorri a um jornal que tinha lido na altura e transcrevi para uma folha, que ainda hoje existe cá em casa, a “Carta de um filho aos pais” e deixei em cima da vossa cama (que pode ser lida acima neste boletim).
Estas frases denunciavam tudo aquilo que eu sentia e que pontualmente, ainda hoje sinto. Fiquei contente por saber que ainda guardavam a carta mas ao mesmo tempo, triste porque não mudou grande coisa desde essa altura, o que me faz pensar que, muito provavelmente, só a leram naquele dia e nunca mais recorreram a ela.
A carta foi uma chamada de atenção. Que pelos vistos, não foi levada a sério. Quantas foram as vezes que eu fiz coisas semelhantes a esta para te chamar a atenção e tu, Mãe, pura e simplesmente ignoraste e deixaste cair no esquecimento.
Até ao dia que eu própria tomei consciência que não estava bem e que procurei ajuda… Ainda hoje, tu não percebes porquê e vês isto como uma despesa que era dispensável. Acusas-me de continuar a gastar dinheiro e dizes: “Sinceramente…” num tom de voz nada confortável e difícil de ouvir… Porque não percebes que procuro o meu bem-estar! E que quero estar bem!
Apesar de tudo isto, eu amo-vos, Mãe e Pai, porque sei que possivelmente não conheceram outro ambiente que não este e sei também, como alguém diz, que vocês já não mudam e que sou eu que tenho de me ajustar e adaptar a vocês. E como já vos disse algumas vezes, temos tendência a magoar quem mais amamos porque sabemos que são os primeiros a perdoarem-nos…
É um esforço que estou a fazer para contrapor a situação e o ambiente que enfrento diariamente, porque não é este ambiente que eu quero dar aos meus próximos. Portanto, está em mim a mudança, cabe-me a mim mudar, porque nunca é tarde quando realmente o queremos e estamos dispostos a fazer!
(Um/a Filho/a, 2013 - Expressam-se os melhores agradecimentos ao autor deste texto por partilhar o seu sentir, ajudando muitos pais a reflectir sobre este assunto).