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A intervenção psicológica na leucemia

A intervenção psicológica na Leucemia

Sílvia Pereira, 2011 - Publicado no âmbito da iniciativa "Solidários até à medula"

Para além de alterações bio-fisiológicas, e do desconforto provocado pelo aparecimento dos sintomas (cansaço, irritabilidade, fraqueza, emagrecimento, infecções frequentes, febre, entre outros), a leucemia promove uma desorganização ao nível psicológico. Todo o processo de doença, desde os sintomas, os exames de diagnóstico específicos até à fase da quimioterapia (agressiva), tratamento com ou sem internamento e transplante de medula óssea (quando necessário), implica um enorme impacto psicológico, isto é, uma enorme instabilidade emocional no doente.

A leucemia (neoplasia maligna que atinge o sangue) tem a sua origem na medula óssea. Caracteriza-se pela proliferação anormal de células da medula óssea, que originam as células sanguíneas, tendo vários tipos (mielóide ou linfóide, aguda ou crónica). A Leucemia pode afectar desde a criança ao idoso. As causas que a desencadeiam, não são determinadas de forma exacta. Os sintomas aparecem após a proliferação excessiva de células imaturas na medula óssea, com a infiltração em vários tecidos do organismo (por ex: pele, sistema nervoso central, etc).

Para além de alterações bio-fisiológicas, e do desconforto provocado pelo aparecimento dos sintomas (cansaço, irritabilidade, fraqueza, emagrecimento, infecções frequentes, febre, entre outros), a leucemia promove uma desorganização ao nível psicológico.

Todo o processo de doença, desde os sintomas, os exames de diagnóstico específicos até à fase da quimioterapia (agressiva), tratamento com ou sem internamento e transplante de medula óssea (quando necessário), implica um enorme impacto psicológico, isto é, uma enorme instabilidade emocional no doente. Tendo em conta que o tratamento é faseado e longo, o estado psicológico do doente tende a deteriorar-se. Trata-se de um momento de vida em que o doente está submetido a riscos significativos, que contribuem para o aparecimento daquilo que em Psicologia se designa por perturbação emocional – interferência desajustada directa ou indirecta das emoções no pensamento.

Os aspectos da personalidade do doente contribuem marcadamente para a forma de lidar com a doença. Se para alguns a possibilidade terapêutica proporcionada pelo transplante é tranquilizante, para outros, pelo contrário, revela-se um factor desencadeador de ansiedade. A personalidade do doente é, assim, um aspecto chave na forma como enfrenta as dificuldades inerentes à doença.


Por conseguinte, as pessoas que rodeiam o doente nestas fases delicadas da vida de um ser humano adquirem uma importância vital. Sejam elas os técnicos, os familiares ou os amigos. A qualidade das relações estabelecidas com todas elas faz toda a diferença para ele, quer do ponto de vista social e relacional quer do ponto de vista emocional e afectivo.


A presença de perturbação emocional na leucemia, implica uma interferência séria no bem-estar do doente, diminuindo a sua qualidade de vida, expondo-o, também, a uma serie de dificuldades ao nível do funcionamento psicológico impostas pelo próprio tratamento.


Para além das reacções ao próprio diagnóstico de leucemia, muitas vezes envolvidas num clima de perplexidade para o próprio e para a família, na fase de adaptação ao tratamento muitas são as reacções psicológicas e psicopatológicas que os doentes podem desenvolver. Nomeadamente, dificuldades de ajustamento, ansiedade, sintomatologia depressiva, irritabilidade, isolamento social, desmotivação, medos, dificuldades na tomada de decisão (inerentes ao processo de transplante, por ex.), desorientação, dificuldades de controlo e gestão do stress, vulnerabilidade, distúrbios alimentares, sentimentos de inutilidade, inferioridade e auto-desvalorização, baixa auto-estima e auto-confiança, insegurança, auto-imagem desvalorizada, dificuldades de atenção e concentração, desorganização e instabilidade emocional, entre outras.


Algumas delas tendem a estar mais frequentemente presentes no doente com leucemia: as dificuldades de ajustamento com a presença de ansiedade e sintomatologia depressiva. Alguns estudos revelam que pode mesmo implicar o aparecimento de psicopatologia. A intervenção psicológica, através de um trabalho de psicoterapia, feita por um(a) psicólogo(a) especializado(a) torna-se, assim, indispensável nesta situação de crise, incluindo no período pós alta.


Claro que, ter estes sentimentos nalguns momentos é "normal" nesta situação. O problema surge na forma como o doente lida com estes sentimentos.

As reacções psicológicas surgem em momentos de conflito psicológico vividos bem antes do transplante: no momento de tomada de consciência do diagnóstico e no momento de decisão da realização do transplante. A partir daqui o doente depara-se com a perda da sua vida "normal" (antes do diagnóstico), o que significa fazer o luto antecipado devido à perda da vida que tinha anteriormente, remetendo-o a um grande isolamento social (mesmo após o processo de transplante concluído).

A família é, em toda a extensão da doença, um suporte imprescindível para o doente com leucemia. Em certos casos funciona mesmo como um factor fulcral da sua recuperação, promovendo a reaproximação e intensificação dos laços familiares. É um período de maior relação entre os vários elementos da família. O familiar passa a ser mais um membro disponível da equipa multidisciplinar.

Para além das várias fases da leucemia implicarem um potencial aumento do stress para o doente, o mesmo também acontece com os familiares. Na maior parte dos casos são invadidos pelo sentimento de impotência, de perda, angústia e desespero. O seu estado psicológico é de grande fragilidade que, por vezes, também provoca desorganização e instabilidade emocional. A sua participação activa no processo de tratamento e recuperação pode, inclusivamente, fomentar o conflito interno devido às dificuldades que surgem na relação com o doente, uma vez que o familiar se confronta com os seus sentimentos mais negativos e o apoio que quer/deve prestar ao doente, seu familiar.

Assim, também para eles existem aspectos que desencadeiam um maior stress situacional, nomeadamente o avanço da doença, a decisão de realizar o transplante, bem como a escolha do doador e a incerteza no futuro do doente. Como tal, vivem num clima de tensão permanente que também exige uma intervenção psicológica eficaz.

Para além do apoio familiar, o acompanhamento psicológico realizado por um profissional especializado – um(a) psicólogo(a) clínico(a) – assume uma importância extrema em todo o processo, uma vez que contribui para que todos estes aspectos se manifestem com a menor intensidade possível numa situação já de si dramática. O/A psicólogo(a) contribui para que a forma como o doente com leucemia lida com a sua realidade, bem como os seus familiares, 

 

seja menos sofrida. A avaliação psicológica é feita numa fase anterior ao transplante como forma de, através dos seus resultados, delinear a intervenção posterior.


Esta intervenção psicológica e psicoterapêutica permite ao doente utilizar os seus recursos internos de forma mais ajustada à situação de dor e sofrimento, disponibilizando-os da maneira mais adequada, afim de minimizar o impacto dos sentimentos dolorosos, promovendo, assim, o reajustamento psicológico. Facilita, por um lado, a adesão ao tratamento médico e a suportar a dor e, por outro, ajuda o doente a lidar de forma diferenciada com o problema, minimizando a instabilidade emocional, levando-o a pensar de forma diferente o seu problema provocando menor sofrimento psicológico.

Por outro lado, o doador, outro elemento fundamental em todo o processo, representa para o doente uma possibilidade de cura ou até mesmo a única saída. As dúvidas e expectativas do doente são enormes, misturando-se numa confusão de sentimentos entre a procura do doador e o momento em que este é encontrado. Contudo, também para o próprio doador a decisão nem sempre é fácil, sentindo-se, por vezes, desmotivado uma vez que todo o processo implica algum desconforto. Por vezes, desiste quando tudo está já preparado para a doação se concretizar. Esta situação revela-se muito negativa para o doente, causando-lhe grande frustração e desânimo uma vez que a idealização acerca do processo de doação cria, entre outros aspectos, expectativas muito altas. Do ponto de vista médico, o processo de doação de medula óssea é relativamente simples. No entanto, do ponto de vista psicológico é muito complexo.

Também não se pode ignorar que um trabalho multidisciplinar e integrado dos vários profissionais de saúde envolvidos nesta patologia promove um maior bem-estar ao doente em toda a complexidade da doença.


Seja solidário até à medula, dê um pouco de si para salvar vidas!
Pode inscrever-se em: 
www.apcl.pt

 

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